Instituto Pensar - Violoncelista negro, preso por engano em blitz no Rio, é solto

Violoncelista negro, preso por engano em blitz no Rio, é solto

por: Igor Tarcízio


O músico Luiz Carlos Justino, preso por engano no Centro de Niterói (Imagem: Reprodução)

músico Luiz Carlos Justino, preso por engano em Niterói (RJ) na última quarta-feira, foi solto neste domingo (6), ao meio-dia. Mesmo após alvará de soltura expedido pelo plantão judiciário na noite deste sábado, ele foi transferido do Complexo Penitenciário de Benfica para o Complexo de Guaxindiba, em São Gonçalo, na mesma noite, sem que seus familiares e advogados fossem avisados.

Luiz tem 23 anos, é negro, violoncelista, e integra a Orquestra de Cordas da Grota, em Niterói, desde os 6 anos de idade. Também é casado e pai de uma menina de 3 anos. Ao sair da unidade prisional, ele afirmou não ter conseguido dormir direito as quatro noites que passou encarcerado e relatou ter sentido medo de morrer na prisão.

"Nem imaginava um dia ser preso por algo que não fiz?

"Eu estava muito nervoso, porque nunca passei por isso e nem imaginava um dia ser preso por algo que não fiz. Também não tive contato nenhum com minha família ou advogados nesse tempo todo. Senti muito medo. Em Benfica, quase vomitei porque nos serviram comida estragada. Os agentes também ameaçaram raspar meu cabelo. A única coisa que quero agora é ir para casa e ficar com a minha família?, disse ele, que relatou ter ficado numa cela lotada, com mais 80 pessoas, em Benfica.

Segundo a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), Luiz permaneceu preso pois ainda aguardava-se o recebimento oficial do alvará de soltura, mas não explicou o motivo da transferência. Em razão da não comunicação prévia de que ele havia sido transferido, os familiares não sabiam onde Luiz estava e, portanto, não foram até o local recebê-lo no momento em que foi solto.

O caso

Luiz conta que foi parado numa blitz quando saía de uma apresentação musical nas barcas, por volta de 19h. Ele estava acompanhado de três amigos, também músicos. Por estar sem documento, ele foi conduzido à delegacia, onde os militares informaram que havia um mandado de prisão expedido contra ele por um assalto à mão armada cometido na manhã do dia 5 de novembro de 2017.

Entretanto, um contrato prova que, no momento do suposto crime cometido por ele, o rapaz estava trabalhando na padaria Le Dépanneur Delicatessen, em Piratininga, pelo projeto Café Musical. O local fica a dez quilômetros de onde ocorreu o crime.

Ao ser levado para a prisão, Luiz, que sonha em entrar numa faculdade de música, foi obrigado a deixar seus objetos, como seu celular e seu violoncelo, na delegacia.

"Eu estou sem documento de identidade desde o carnaval. Ainda não tinha conseguido tirar segunda via porque o atendimento no Detran ficou restrito com a pandemia?, explica o músico.

Estado será acionado judicialmente

A advogada Sônia Ferreira Soares, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, foi até o Complexo de Guaxindiba acompanhar a soltura. Ela, que acompanhou o caso desde o início, afirma que a OAB acionará o Estado no Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ).

"Foi uma prisão totalmente arbitrária e ilegal. O Luiz Justino sequer foi chamado para prestar depoimento e não há citação dele no processo. Acrescentamos provas robustas, nos autos, de que no dia do crime ele estava trabalhando numa apresentação musical que ele fazia rotineiramente em Niterói. Vamos zelar pela manutenção da liberdade dele, absolvição e, posteriormente, reparação judicial desse caso gravíssimo que traduz o racismo institucional e estrutural que temos no nosso país?, afirma.

Soltura

O alvará de soltura foi expedido pelo juiz André Luiz Nicolitt. Na decisão, ele questiona "por que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria "desconfiança? para constar em um álbum? Como essa foto foi parar no procedimento??.

O magistrado acrescenta: "São muitas as objeções que se pode fazer ao reconhecimento fotográfico. Primeiro, porque não há previsão legal acerca da sua existência, o que violaria o princípio da legalidade. Segundo, porque, na maior parte das vezes, o reconhecimento fotográfico é feito na delegacia, sem que sejam acostadas ao procedimento "as supostas fotos utilizadas? no catálogo, nem informado se houve comparação com outras imagens, tampouco informação sobre como as fotografias do indiciado foram parar no catálogo, o que viola a ideia de cadeia de custódia da prova?.

Sem provas

Segundo a Polícia Civil, Luiz foi apontado por traficantes, em 2014, como suspeito de integrar uma organização criminosa e, por isso, sua foto entrou para o banco de imagens. Ainda de acordo com a polícia, em 2017, ele teve um mandado de prisão expedido por roubo, depois de ser reconhecido por uma vítima, por meio da foto que constava no banco de imagem.

"Em primeiro lugar, o reconhecimento por foto não pode ser o único elemento de prova para encarcerar um supostos autor de delito. O Luiz sequer foi chamado para prestar qualquer esclarecimento sobre esse caso de 2017. Além disso, é um absurdo o fato de já existir um alvará de soltura expedido e, ainda assim, o sistema penitenciário o transferir ", conclui a advogada Sônia Ferreira Soares.

Com informações do jornal Extra, G1 e Estadão



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